Carta
Pedagógica II - Recid Ceará
Ceará, Setembro
de 2012
“As
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje,
sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo e não há
realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração”
(Gaudium Et Spes).
Querida(o)s Companheira(o)s
de luta,
Sonhos, luta e
conquistas!
No
Evangelho narrado por Marcos, Jesus nos interpela “sois sal da terra e luz do
mundo” (MT 5, 13-14). Como discípulos e
missionários de Cristo devemos fazer a diferença.
Esta
afirmativa nos faz sentir corresponsáveis pela gestação de uma nova civilização
que esteja fundamentada na defesa incondicional da vida que promova a justiça,
que viva a sustentabilidade e seja fraterna em suas relações.
Partindo desses
princípios e convocados pelos desafios que as eleições nos imprime, nós,
Educadores e Educadoras da Recid Ceará, juntamente com outros sujeitos da
sociedade, como pastorais sociais, sindicatos, associações comunitárias, paróquias,
dioceses, professores e universitários, entre outra(o)s, fomos motivados a vivenciar e construir, em
coletividade, um rico período de articulações, mobilizações, debates e
proposições em busca da efetivação de um outro projeto de Estado, de
desenvolvimento e de vida, que para nós, figura na construção de um Projeto Popular
de Nação.
O
que nos motiva e nos une é este sonho de uma efetiva cidadania e a busca por um
bem estar social pleno, o que se concretiza na pratica do bem viver, que está
na contramão do modelo capitalista de desenvolvimento em curso. Especificamente
neste momento, o fio que nos entrelaçou foi a preparação e vivência dos grandes
eventos sociais contemporâneos, como o 18º Grito dos Excluídos (18º GE) e a 5ª
Semana Social Brasileira (5ª SSB) que, inclusive, foram pautados pela Recid no
seu Plano Político, Pedagógico e Organizativo para o triênio 2012-2014, a fim
de potencializar as articulações e mobilizações com os movimentos e pastorais
sociais.
A ideia central da 5ª SSB que tem como tema “A Participação da sociedade civil na
democratização do Estado Brasileiro - Estado para que e para quem?” e lema “Novo
Estado, caminho para nova Sociedade do Bem Viver” é discutir e fortalecer o processo de democratização do Estado,
compreendendo melhor a realidade que temos, explicitando o ideal que queremos,
identificando e criando os meios de democratização do Estado brasileiro. Concomitante
a isso, como caminhos para esta transformação/democratização, realizamos o
nosso Grito dos Excluídos, que traz como tema “Queremos um Estado a serviço da Nação que garanta direitos a toda
população!”, ecoando, em várias cidades do Ceará, em alto e bom som, os nossos
anseios, medos, violências sofridas e a negação dos direitos sociais básicos, que
nos coloca em situação de opressão e exclusão.
A
maioria dessas realizações se deu na dinâmica de seminários e manifestações de
rua, precedidos por um amplo processo de articulação e mobilização iniciados nas
comunidades (micro), passando por momentos municipais, que se direcionavam para
as microrregiões/dioceses (macro). Contudo as análises/leituras se deram
conjunturalmente, mantendo o olhar local, mas sem perder de vista o foco global
enquanto estado, nação e planeta, pois, ao mesmo tempo que somos aldeões, somos
também planetários.
As
discussões foram latentes. Embora, as realidades estejam dentro deste modelo,
ao qual negamos veementemente, algo se pôde observar de novo. Novos olhares se
misturaram aos velhos e enxergaram coisas diferentes, ou melhor, as mesmas
coisas foram vistas de um outro jeito. Os diálogos foram sempre propositivos,
com deliberações e encaminhamentos coletivos, em prol de um bem comum. Comum
também foi a forma de comunicar nossos acúmulos através de cartas pedagógicas,
com escrita simples que realmente se faça entendível a todos os destinatários.
Em meio a tantos olhares e reflexões que se projetavam cada vez mais numa única
direção, uma certeza: a de que a mudança não será possível, enquanto não
propagarmos e efetivarmos um outro jeito de gerir o Estado que temos, enquanto
não mudarmos esta forma de Democracia representativa, enquanto os nossos
direitos estiverem apenas no papel e não
conseguirmos com que os maus políticos saiam, também da sua “situação de
opressão”.
A
5ª SSB e o 18º GE não só nos intima a pensar no que fazer para que o Estado, de
fato, sirva ao bem comum, garanta os direitos econômicos, sociais, políticos e
culturais de todos, começando pelos pobres e oprimidos. Eles nos direcionam a uma
“medida de ordem democrática de uma nação” e o critério de fidelidade e
comunhão com Deus (Mt 25, 31-46).
De igual forma, não pensem que o diálogo
foi fácil. O terreno era/é sinuoso demais. Os obstáculos enfrentados foram/são
muitos. Dialogar o Estado que temos e o que queremos, num
estado onde o atual
modelo de desenvolvimento tão propagado por “Ele”, tem como base, os grandes
projetos, financiados todos ou em parte, pelos governos: Transposição do Rio
São Francisco, Transnordetina, Siderúrgica, Termelétrica, Mineração,
Agronegócio, entre outros. Todos chegam às comunidades prometendo melhorar a
vida das pessoas, mas o que temos visto é a expulsão das famílias de seus
territórios de origem e a negação do direito dessas pessoas. Não fica muito
difícil entender a serviço de quem está este Estado: Desenvolvimento para que e
para quem?
O modelo
de desenvolvimento que faz o Ceará ser o 2º em crescimento econômico entre os
estados do Nordeste, não tem se traduzido em melhoria na qualidade de vida da
população mais pobre. Vimos que na região Centro Sul, nos 19 municípios que
compõem a Diocese de Iguatu, ainda temos, segundo o IBGE, uma população de
aproximadamente 250 mil pessoas vivendo em extrema pobreza. Logo, o atual
modelo, continua a beneficiar uma privilegiada camada da população, os donos do
capital. Para a maioria, fica a precarização das Políticas Públicas e as
políticas compensatórias na área da assistência social. As reflexões feitas nos
municípios, bem como nos seminários, nos mostraram quão ausente é o Estado na
garantia de nossos direitos fundamentais.
Mesmo com esta constatação, ainda foi/é difícil abordar
assuntos como as políticas de transferência de renda, como “as bolsas assistenciais”
do governo; das Leis da Ficha Limpa e 9840, com candidatos que mesmo sendo
flagrados e comprovadamente corruptos, exercendo seus mandatos e pleiteando
outros, entre outras barbárie; com uma população carente, em situação de
vulnerabilidade social, com o agravante da grande seca que enfrentamos e em
pleno processo eleitoreiro, com candidatos fichas-sujas e compras de votos, foi/é
árduo, é conflitante para os muitos que passam fome, que sobrevivem dia a dia,
que estão ainda a mercê dos neos-coronéis, dos favores e do apadrinhamento.
Muitos não continuaram no processo, mas alguns poucos são as sementes para
colheita que em breve virá, como os jovens do Levante Popular da Juventude, que
se somaram a nós em algumas regiões, principalmente na região Centro Sul, onde
estão se fixando a pouco tempo.
O processo desvelou, a muitos, a realidade de
um Estado a serviço de poucos, e nos impôs a necessidade de continuar nossas
reflexões sobre o Estado brasileiro, construído ao longo desses mais de 500
anos, e trabalhar pela edificação de uma nação igualitária, solidária e
comprometida com a vida. Trabalharemos na construção de um Projeto Popular para
o Brasil, para que o povo brasileiro possa verdadeiramente interferir nos rumos
de seu País.
Queremos um Estado a serviço do povo
brasileiro!
Um outro
forte e bem sucedido acontecimento que nos marcou neste período foi a construção
e realização da 2ª Semana dos Movimentos Sociais do Cariri, dos dias de 17 a 23
de setembro de 2012. Com o Pau D'arco amarelo iluminando, com sua florada, o
cenário esquálido da caatinga castigada pela estiagem, a aridez do solo, a
escassez d'agua e a esdrúxula campanha eleitoral a nos acometer, mesmo assim não
nos impediu de firmarmos nosso compromisso como lutadores do povo. A discussão
e os encaminhamentos se firmaram em torno da Campanha Permanente de Combate
aos agrotóxicos (criação do comitê cearense), o impacto dos grandes
projetos, a história local nas escolas publicas e privadas (seminário para
elaborar política de educação contextualizada), e a realização da 13a. Romaria
do Caldeirão do Beato Zé Lourenço (ecos do caldeirão, a luta do povo romeiro
simbolizada na mística do toré indígena).
Outras
realizações e lutas aconteceram, a citar a economia solidária, onde nos
encontramos com empreendimentos, pessoas e entidades ligadas diretamente ao
movimento que vem debatendo o marco legal da Socioeconomia Solidária, bem como
os preparativos para a V Plenária Nacional de Socioeconoimia Solidária que
acontecerá de 9 a 13 de dezembro de 2012, em Luziânia, que contará com a
participação e contribuição de Educadores e Educadoras da Recid Ceará.
A
insatisfação e indignação de como se gere as eleições, nos conclamou a integrarmos,
em alguns municípios, as comissões de ética de mediação de debates entre
candidatos.
Ainda, continuamos
acompanhando os projetos em Agricultura Camponesa nos municípios de Crato, Altaneira,
Potengi, Araripe e Assaré; marchamos, cotidianamente, pelo Parto Humanizado;
acompanhamos amorosamente aos grupos de tradição da Cultura Popular;
continuamos com processos formativos com a juventude nos espaços rurais e
periféricos e, em constante luta pelo empoderamento e cidadania dos menos
favorecidos.
São esses,
entre inúmeros outros, embates cotidianos que o Capitalismo nos impele e dos
quais não podemos fugir, que nos indigna, nos inquieta e fortalece a nossa luta,
nos enchendo de esperança abrindo caminhos para a construção do PODER POPULAR,
que legitimará o nosso projeto para o Brasil.
Somos o resultado de nossas escolhas!
Nesta
afirmativa e com a certeza do vosso compromisso,
Desejamos
um esperançoso e caloroso abraço cearense a toda(o)s!
Rede
de Educação Cidadã do Ceará