O Ceará e um olhar
sobre I Encontro Nacional de Juventudes da Recid.
“Eu vou á luta com
essa juventude
Que não corre da
raia a troco de nada
Eu vou no bloco
dessa mocidade
Que não tá as
saudade e constrói
A manhã desejada”. (
Gonzaguinha)
Com o objetivo de, a
partir das experiências de organização e formação das juventudes, consolidar
uma leitura comum da conjuntura brasileira e apontar os seus principais
desafios e ações rumo a construção do projeto popular, realizou-se, dos dias 31
de janeiro a 03 de fevereiro de 2013, no CIMI – Luziânia/GO, o I Encontro
Nacional de Juventudes da Recid. Encontro este que constou com a participação
de 04 jovens de cada estado brasileiro, mais convidados, acessórias,
representantes do Coletivo Nacional da Recid e Coordenação do encontro que
contava com um jovem de cada macrorregião brasileira.
A escolha estadual dos
jovens ficou a critério de cada coletivo. No caso do Ceará, realizamos um
Encontro Estadual de Juventude, que foi o nosso primeiro, onde, cada microrregião
(Metropolitana, Centro Sul, Cariri e Jaguaribe) indicou o seu jovem, a partir
do perfil de militância e vínculo com a Recid. Os jovens que nos representaram
foram: Ana Cristina Leandro (Grupo Urucongo de Artes/Cariri), Edinaldo Felipe
(Obra Kolping/Metropolitana), Losangela Martins (Movimento Ceará/Jaguaribe) e
Messias Pinheiro (AVAL/Centro Sul).
O Encontro iniciou-se num
clima externamente ameno, chuvoso e, internamente caloroso, animado, fervoroso.
Embora conflitantes, fomos acolhidos pelos dois, nada mais característico,
quando nos dispusemos a falar com e em juventudes. Enquanto lá fora havia chuva
e frio, no local do encontro imperava o entusiasmo, a animação juvenil, onde
nos dispusemos a cantar e dançar ritmos agitados.
A mística do encontro
fez memória aos guerreiros e guerreiras que marcaram a caminhada jovem
brasileira, principalmente no período da Ditadura como Frei Tito, Olga Benário,
Edson Luís, Marighela, Aurora Maria, e a eterna Dandara de Palmares. Além
destes, dos atuais militantes das mais diversas causas populares da juventude,
se fizeram presentes heróis como Guevara e Chaves.
O Encontro figurou uma
das características do nosso Projeto Popular para o Brasil que é o compromisso
com as diferenças e diversidades pluriétnicas, enquanto construção e
fortalecimento de novas relações humanas. Não se tratando apenas de tolerar e
respeitar as diversidades, mas, de compreendê-las como necessárias em um
processo de libertação e, portanto, vivenciá-las e garantir que existam.
No primeiro dia, nos
identificamos por macrorregiões, cantando e dançando os ritmos dos nossos
estados, e fomos saudados por dois tipos de convidados bem distintos, a iniciar
pelos convidados do Governo Federal (Secretaria-Geral da Presidência (SNAS/SNJ)
e Secretaria de Direitos Humanos), tendo como cerimonialista, o Assessor
Especial da Presidência, Selvino Heck, e depois, pelos convidados da Sociedade civil
(Pastorais, Levante, Via Campesina, LGBT, Marcha Mundial Mulheres, Movimento
Negro e indígena, UNE e Conselho Nacional de Juventude). De repente, fomos
surpreendidos por um convidado de nome Messias Pinheiro (Ceará), codinome Pedro,
jovem comum, vivente/sobrevivente do nosso cotidiano brasileiro, que não se
sentiu representado nas falas anteriores e deu voz e visibilidade a muitos
jovens que, assim com ele, estão anônimos Brasil a fora.
Depois de apresentados,
saudados e de conhecer a metodologia do nosso encontro, fomos procurar “nossa
turma” a partir da resolução de quebra-cabeças que compuseram as equipes de
Mística, Cuidado e bem-estar, Relatoria, Animação e, Infraestrutura.
Na tarde deste primeiro
dia, realizamos uma leitura da conjuntura, abordando a crise mundial e os
contextos brasileiro e latinoamericano, com assessoria do Nei Zavaski (MST), que
começa sua análise citando Eduardo Galeano no seu livro “A escola do mundo
Avesso”: "O
mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a
esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de
imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda.
Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação." (Eduardo Galeano, "De Pernas para o Ar”.)
Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação." (Eduardo Galeano, "De Pernas para o Ar”.)
Trouxe a Educação Popular como contra-história,
contra-escola e nos desafia a “fotografar” a nossa realidade e, ler os
elementos que aparecem focados na lente. Vejamos alguns desses elementos: Violência
(contra as mulheres, extermínio da juventude), corrupção, participação popular,
desigualdade (pobreza, desemprego, saúde e educação precárias), individualismo,
alienação, exploração (mão de obra barata, mais valia), guerras, crise
econômica, lutas e hegemonia.
Contrapomos essa
fotografia, estática, com a realidade, que é movimento. O movimento da
realidade nos revela uma aparência, e para compreendê-la temos que ler sua
essência, que é a sociedade capitalista, pautada no lucro, elemento central que
justifica o império do capital.
Lendo essa essência,
entendemos que muitos de nós estão alheios a nós mesmos e pertencentes à
hegemonia capitalista e percebemos que as suas contra-tendências se manifestam,
na nossa imagem, a partir das mazelas sociais cotidianas como a super-exploração
do trabalho, análogas á escravidão.
Para encerrar este
primeiro dia, nos encontramos nas turmas para praticar as atividades esportivas
(futebol e vôlei), que sinalizou o início do campeonato do encontro.
Caminhando e cantando, seguindo a canção, sendo iguais,
braços dados ou não, indo para rua com o nosso bloco de lutadores e lutadoras,
sonhadores de um novo mundo, combatentes da opressão em favor dos oprimidos.
Foi na vivência desta mística e fazendo referencia a Carlos
Marighela, político e guerrilheiro baiano que lutou contra o Regime Militar, que
iniciamos nosso segundo dia de encontro.
Sob acessória de Renato Almeida (IPJ/SP) construímos uma linha
das lutas da juventude a partir da década de 60, abordando as mudanças
históricas que impactaram diretamente a vida, não só dos jovens, mas de toda a
sociedade brasileira. Observamos que as mudanças acontecem num determinado
contexto e que, portanto, uma geração possui experiências diferentes em cada
contexto/espaço. Então, olhar que lançamos foi específico para o contexto onde
cada uma destas juventudes estavam e está inserida, de 60 até nossos dias. Vejamos
um pouco como se direcionou o diálogo: “Recai
sobre os jovens da atualidade a insígnia de estáticos, que não lutam. Em
detrimento aos da década de 60, um referencial de juventude ativa, que iam ás
ruas e lutavam. Foi nessa década onde a juventude começou a ser percebida, a
ter destaque na sociedade. Os jovens começam a ser encarados como um grupo
social. Uma das coisas que marca esse período é processo do êxodo rural,
fazendo do Brasil um país eminentemente urbano. E é no urbano que os jovens
tomam corpo e cria sua própria cultura, criando uma característica juvenil, uma
moda, um jeito de viver jovem. A juventude, a partir da moda no ocidente, onde
a indústria cultural começa a influenciar o jovem e torná-la uma “fatia do
mercado”, o consumo jovem. O jovem começa a freqüentar a escola, ocupando o
espaço/papel na família/comunidade, ajudando assim a juventude aparecer. Daí a
intima relação entre jovem e estudante. Termos indissociáveis nas
manifestações. Outro forte ator desse período foi a Igreja/ação católica que
cria várias formas de juntar essa galera.
As gerações de 60/70
tiveram um papel fundamental na Ditadura. Questionando o falso moralismo, o
machismo, o que trouxe um ganho histórico, promovido por essa geração. Isso criou
o rótulo de que o jovem é naturalmente revolucionário. O jovem é uma parcela
muito grande, mas não deve ser única, a mudança tem que partir o todo da
sociedade, criança, adulto, idosos. O jovem não é e nem deve ser revolucionário
por essência, senão o nosso trabalho de Educação Popular não seria necessário,
era só acionar a juventude e pronto, tá lá a revolução e as mudanças sociais.
Os anos 80 trouxe um
olhar pessimista sobre a juventude, principalmente pelos adultos, que seriam os
jovens de 60. Os jovens rebeldes mas, longe de serem revolucionários. Essa era
a idéia de jovem nos inícios dos anos 80, que foram engolidos pela indústria
cultural. A nossa juventude já extrapolava a classe média. Surgem aí as várias
tribos e estilos juvenis (reggae, hip-hop, roqueiro, punks). O que não era
considerado como forma de participação e lutas, tidos apenas como rebeldes de
sem causa. O que se lê de forma diferente hoje. Tinha ali um processo de
educação popular, inclusive.
Nesse mesmo recorte surgem
os metalúrgicos do ABC com o Movimento Sindical, da mesma forma que entra em
cena as CEB’s, dando fundo a outros atores: mulheres, juventudes do campo e
cidades, PJ’s.
Muitos jovens entrando
em partidos políticos (surgimento do PT) como possibilidade de
mudança/transformação.
Os anos 90 se iniciam
sob um enorme peso de tempos de crise. O Brasil, o mundo e os movimentos estão
em crise! Era o fortalecimento do cenário neoliberal. A queda do muro de Berlin
simbolizou uma ruptura, uma inquietação sobre a continuidade nos princípios
socialistas.
A perda do Lula para
FHC provocou uma crise de consciência nos movimentos. Esse começo foi bastante
duro. Processo de exclusão. Em contraposição o modismo/a vulgarização da
palavra cidadania. Estava na boca de todo mundo. Um pipocar de ONGs, inclusive
com atuações para juventudes. Mas ao contrario disto, surge uma série de atores
juvenis, começando a se organizar, se articular em cobrança por
demandas/direitos que até então nem se entendiam como direito, como cultura,
lazer por exemplo, que até então eram entendidos como privilégios. Nesse
sentido os jovens surgem para se contrapor a essa idéia. Que utilizavam várias
formas de manifestações culturais como enfrentamento, a dizer o Rap. O
movimento toma uma força imensa, o movimento hip-hop toma escalas nacionais.
Virada do milênio, o
nosso momento, que começa há 10 anos. O movimento de políticas públicas para a
juventude. Que coloca a juventude num local nunca antes ocupado. Que o jovem
tem direitos específicos. No que falamos quando falamos em direitos juvenis?
Nesta última década foi possível perceber que os jovens podem participar. Esse
diálogo sobre as políticas possibilitou uma maior organização das juventudes. As
formas como o jovem se relacionam hoje com o Estado são diferentes como era antes.
Será que essa relação é cooptação? Que interesses estão envolvidos?”.
Após o diálogo, nos encaminhamos para um trabalho por
macrorregião, mas antes fomos agraciados com uma bela apresentação de Hip-hop.
Quais as principais questões/problemas e desafios apresentam
a realidade da juventude na sua região? Que lutas e bandeiras a juventude se
envolve? Sob estes questionamentos, as macros se reuniram e fomentaram o
diálogo.
“É proibido não rir dos problemas,
Não lutar pelo que se quer,
Não transformar sonhos em realidade,
Não viver cada dia como se fosse o último suspiro” (Pablo
Neruda).
No encontro da região Nordeste, primeiro conhecemos nossos
jovens, depois pautamos os questionamentos por estado e compusemos o cenário da
nossa região em relação aos problemas, desafios, limites e bandeiras da
juventude.
Após as exposições dos estados, abrimos uma roda de conversa,
que foi para além dos elementos trazidos pelos estados. Lemos a conjuntura do
Nordeste, aliás, do Brasil, sob a nossa ótica, a ótica dos jovens da Recid NE.
Vejamos o acúmulo do Ceará e a síntese do Nordeste:
Como principais
questões, problemas, desafios apresentam a realidade da juventude no Ceará
temos:
·
Desarticulação
e/ou adormecimento das organizações populares de juventudes;
·
Falta
de segurança pública voltada para a juventude no estado (o que gera violência e
extermínio);
·
Envolvimento
das juventudes com álcool/drogas;
·
Pouca
e falta de atuação dos conselhos de juventude;
·
Ausência
da participação da juventude na execução e elaboração das políticas públicas e
nos movimentos populares e sociais;
Nossas bandeiras e
lutas são:
·
Democratização
da Comunicação;
·
Cultura
(expressões artísticas) enquanto mecanismo de participação, politização e
transformação;
·
Lutas
do campo e cidade (campo: sistemas
agroecológicos, êxodo rural, convivência com o semiárido – cidade: luta pela diminuição da passagem do coletivo);
·
Campanha
contra o extermínio das juventudes e contra a diminuição da maioridade penal.
Síntese do Nordeste:
Como principais
questões, problemas, desafios apresentam a realidade da juventude no Nordeste
temos:
Drogas, violência letal contra juventude, tráfico de pessoas,
prostituição infantil, Violência psicológica e física contra as mulheres, homofobia,
racismo, violência no trânsito, o não funcionamento das políticas públicas
voltadas para a juventude, migração campo-cidade, a seca/miséria como problema
climática e social, criminalização da juventude, envolvimento com grandes
projetos capitalistas, desemprego e monopólio da mídia;
As bandeiras e lutas da
juventude no Nordeste são:
Desafios (fruto das contradições sociais capitalistas): Maior
acesso a Universidade pública (Pólos da UFS no sertão); Articulação dos
movimentos da juventude da juventude com o fortalecimento do trabalho de base; Construir
a participação política da Juventude (ida as ruas); Reafirmar a identidade com
a classe trabalhadora na cultura, política e ideologia;
Lutas: Pela saúde pública, educação, cultura, lazer, etc; Agroecologia
e convivência com o semiárido; Luta contra o agronegócio grandes projetos
(irrigação, transporte de águas, barragens e integração das bacias
hidrográficas); Luta contra as privatizações; Acesso a cultura como elemento de formação
política-ideológica; Políticas públicas de juventude; Igualdade de raça,
gênero, sexualidade; Luta estudantil, transporte, ecumenismo; Demarcação de
terras indígenas e quilombolas; Que estratégias vamos implementar de fato?
No período da tarde, abrimos a plenária com o aprofundamento
das análises e síntese dos desafios trazidos pelas regiões que, após as
considerações do assessor abriu-se a interlocução com a plenária debatendo-se
sob o tema juventude e a educação.
O debate fluiu sob o enfoque da fragilidade da educação, em
especial do Ensino Médio, que não está preparada para receber, atender a
demanda jovem, nem formando, e muito de longe contribuindo para a sua
construção política ideológica e cidadã.
Outro direcionamento do debate apontou para a nossa
identidade cultural, onde dialogando sobre esta questão, constatamos um Brasil
preconceituoso e racista e, por isso, uma parcela da juventude, a negra,
vitimada pela violência e extermínio, entre outros fatores que influenciam
diretamente nossas vidas.
Ainda em clima de encontro, nos reunimos á noite numa roda de
conversa com os Movimentos sociais e juventude – raça, etnia, gênero e
diversidade sexual (Marcha Mundial de Mulheres, Juventude Viva, Diversidade
sexual e desafios da luta LGBT, Comunidades Tradicionais), o que nos
proporcionou um rico momento de interlocução.
Seguindo a programação, no terceiro dia, discutimos, entre
nós e com a assessoria de Ronaldo Souza, o que entendemos e o que construímos
de Projeto Popular. De início, uma fala introdutória, e depois, a partir da
divisão de grupos mistos, dialogamos e elencamos o que temos feito e como se
traduz em lutas concretas o projeto popular que empreendemos enquanto
juventude.
Após o momento nos grupos, voltamos para plenária e sintetizamos
em compromissos os acúmulos trazidos pelo coletivo. Em seguida abordamos o tema
Agitação e Propaganda, o que já seria uma introdução para o trabalho nas
oficinas de Tradução de linguagens, no período da tarde.
Durante a tarde, nos subdividimos nas oficinas temáticas que
foram: Midialivrismo e participatório juvenil, Webcidadania, Teatro do
Oprimido, Elementos do Hip-hop e, Cultura popular (cordel, repentes,
instrumentos).
Durante a noite nos confraternizamos, misturando todas as
turmas e apresentando os resultados das oficinas temáticas.
O ultimo dia, já com sabor de saudades, foi marcado pelo
final do I Campeonato Nacional Recid Jovem e seqüenciado pela a avaliação da
galera, mística de envio e leitura da Carta do nosso I Encontro das Juventudes.
“É esta a nossa hora e
o tempo é pra nós.
Que chegue em todo
canto a nossa voz
Miremos bem no espelho
da memória.
“Faremos jovem e linda
a nossa história.”
(Zé Vicente)
GT Pedagógico e
Juventude Recid Ceará.
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