segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O Ceará e um olhar sobre I Encontro Nacional de Juventudes da Recid.



O Ceará e um olhar sobre I Encontro Nacional de Juventudes da Recid.

“Eu vou á luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá as saudade e constrói
A manhã desejada”. ( Gonzaguinha)


Com o objetivo de, a partir das experiências de organização e formação das juventudes, consolidar uma leitura comum da conjuntura brasileira e apontar os seus principais desafios e ações rumo a construção do projeto popular, realizou-se, dos dias 31 de janeiro a 03 de fevereiro de 2013, no CIMI – Luziânia/GO, o I Encontro Nacional de Juventudes da Recid. Encontro este que constou com a participação de 04 jovens de cada estado brasileiro, mais convidados, acessórias, representantes do Coletivo Nacional da Recid e Coordenação do encontro que contava com um jovem de cada macrorregião brasileira.
A escolha estadual dos jovens ficou a critério de cada coletivo. No caso do Ceará, realizamos um Encontro Estadual de Juventude, que foi o nosso primeiro, onde, cada microrregião (Metropolitana, Centro Sul, Cariri e Jaguaribe) indicou o seu jovem, a partir do perfil de militância e vínculo com a Recid. Os jovens que nos representaram foram: Ana Cristina Leandro (Grupo Urucongo de Artes/Cariri), Edinaldo Felipe (Obra Kolping/Metropolitana), Losangela Martins (Movimento Ceará/Jaguaribe) e Messias Pinheiro (AVAL/Centro Sul).


O Encontro iniciou-se num clima externamente ameno, chuvoso e, internamente caloroso, animado, fervoroso. Embora conflitantes, fomos acolhidos pelos dois, nada mais característico, quando nos dispusemos a falar com e em juventudes. Enquanto lá fora havia chuva e frio, no local do encontro imperava o entusiasmo, a animação juvenil, onde nos dispusemos a cantar e dançar ritmos agitados.
A mística do encontro fez memória aos guerreiros e guerreiras que marcaram a caminhada jovem brasileira, principalmente no período da Ditadura como Frei Tito, Olga Benário, Edson Luís, Marighela, Aurora Maria, e a eterna Dandara de Palmares. Além destes, dos atuais militantes das mais diversas causas populares da juventude, se fizeram presentes heróis como Guevara e Chaves.
O Encontro figurou uma das características do nosso Projeto Popular para o Brasil que é o compromisso com as diferenças e diversidades pluriétnicas, enquanto construção e fortalecimento de novas relações humanas. Não se tratando apenas de tolerar e respeitar as diversidades, mas, de compreendê-las como necessárias em um processo de libertação e, portanto, vivenciá-las e garantir que existam.

No primeiro dia, nos identificamos por macrorregiões, cantando e dançando os ritmos dos nossos estados, e fomos saudados por dois tipos de convidados bem distintos, a iniciar pelos convidados do Governo Federal (Secretaria-Geral da Presidência (SNAS/SNJ) e Secretaria de Direitos Humanos), tendo como cerimonialista, o Assessor Especial da Presidência, Selvino Heck, e depois, pelos convidados da Sociedade civil (Pastorais, Levante, Via Campesina, LGBT, Marcha Mundial Mulheres, Movimento Negro e indígena, UNE e Conselho Nacional de Juventude). De repente, fomos surpreendidos por um convidado de nome Messias Pinheiro (Ceará), codinome Pedro, jovem comum, vivente/sobrevivente do nosso cotidiano brasileiro, que não se sentiu representado nas falas anteriores e deu voz e visibilidade a muitos jovens que, assim com ele, estão anônimos Brasil a fora.
Depois de apresentados, saudados e de conhecer a metodologia do nosso encontro, fomos procurar “nossa turma” a partir da resolução de quebra-cabeças que compuseram as equipes de Mística, Cuidado e bem-estar, Relatoria, Animação e, Infraestrutura.
Na tarde deste primeiro dia, realizamos uma leitura da conjuntura, abordando a crise mundial e os contextos brasileiro e latinoamericano, com assessoria do Nei Zavaski (MST), que começa sua análise citando Eduardo Galeano no seu livro “A escola do mundo Avesso”: "O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda.
Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação."
(Eduardo Galeano, "De Pernas para o Ar”.)
Trouxe a Educação Popular como contra-história, contra-escola e nos desafia a “fotografar” a nossa realidade e, ler os elementos que aparecem focados na lente. Vejamos alguns desses elementos: Violência (contra as mulheres, extermínio da juventude), corrupção, participação popular, desigualdade (pobreza, desemprego, saúde e educação precárias), individualismo, alienação, exploração (mão de obra barata, mais valia), guerras, crise econômica, lutas e hegemonia.

Contrapomos essa fotografia, estática, com a realidade, que é movimento. O movimento da realidade nos revela uma aparência, e para compreendê-la temos que ler sua essência, que é a sociedade capitalista, pautada no lucro, elemento central que justifica o império do capital.
Lendo essa essência, entendemos que muitos de nós estão alheios a nós mesmos e pertencentes à hegemonia capitalista e percebemos que as suas contra-tendências se manifestam, na nossa imagem, a partir das mazelas sociais cotidianas como a super-exploração do trabalho, análogas á escravidão.    
Para encerrar este primeiro dia, nos encontramos nas turmas para praticar as atividades esportivas (futebol e vôlei), que sinalizou o início do campeonato do encontro.
Caminhando e cantando, seguindo a canção, sendo iguais, braços dados ou não, indo para rua com o nosso bloco de lutadores e lutadoras, sonhadores de um novo mundo, combatentes da opressão em favor dos oprimidos. Foi na vivência desta mística e fazendo referencia a Carlos Marighela, político e guerrilheiro baiano que lutou contra o Regime Militar, que iniciamos nosso segundo dia de encontro.
Sob acessória de Renato Almeida (IPJ/SP) construímos uma linha das lutas da juventude a partir da década de 60, abordando as mudanças históricas que impactaram diretamente a vida, não só dos jovens, mas de toda a sociedade brasileira. Observamos que as mudanças acontecem num determinado contexto e que, portanto, uma geração possui experiências diferentes em cada contexto/espaço. Então, olhar que lançamos foi específico para o contexto onde cada uma destas juventudes estavam e está inserida, de 60 até nossos dias. Vejamos um pouco como se direcionou o diálogo: “Recai sobre os jovens da atualidade a insígnia de estáticos, que não lutam. Em detrimento aos da década de 60, um referencial de juventude ativa, que iam ás ruas e lutavam. Foi nessa década onde a juventude começou a ser percebida, a ter destaque na sociedade. Os jovens começam a ser encarados como um grupo social. Uma das coisas que marca esse período é processo do êxodo rural, fazendo do Brasil um país eminentemente urbano. E é no urbano que os jovens tomam corpo e cria sua própria cultura, criando uma característica juvenil, uma moda, um jeito de viver jovem. A juventude, a partir da moda no ocidente, onde a indústria cultural começa a influenciar o jovem e torná-la uma “fatia do mercado”, o consumo jovem. O jovem começa a freqüentar a escola, ocupando o espaço/papel na família/comunidade, ajudando assim a juventude aparecer. Daí a intima relação entre jovem e estudante. Termos indissociáveis nas manifestações. Outro forte ator desse período foi a Igreja/ação católica que cria várias formas de juntar essa galera.
As gerações de 60/70 tiveram um papel fundamental na Ditadura. Questionando o falso moralismo, o machismo, o que trouxe um ganho histórico, promovido por essa geração. Isso criou o rótulo de que o jovem é naturalmente revolucionário. O jovem é uma parcela muito grande, mas não deve ser única, a mudança tem que partir o todo da sociedade, criança, adulto, idosos. O jovem não é e nem deve ser revolucionário por essência, senão o nosso trabalho de Educação Popular não seria necessário, era só acionar a juventude e pronto, tá lá a revolução e as mudanças sociais.
Os anos 80 trouxe um olhar pessimista sobre a juventude, principalmente pelos adultos, que seriam os jovens de 60. Os jovens rebeldes mas, longe de serem revolucionários. Essa era a idéia de jovem nos inícios dos anos 80, que foram engolidos pela indústria cultural. A nossa juventude já extrapolava a classe média. Surgem aí as várias tribos e estilos juvenis (reggae, hip-hop, roqueiro, punks). O que não era considerado como forma de participação e lutas, tidos apenas como rebeldes de sem causa. O que se lê de forma diferente hoje. Tinha ali um processo de educação popular, inclusive.
Nesse mesmo recorte surgem os metalúrgicos do ABC com o Movimento Sindical, da mesma forma que entra em cena as CEB’s, dando fundo a outros atores: mulheres, juventudes do campo e cidades, PJ’s.
Muitos jovens entrando em partidos políticos (surgimento do PT) como possibilidade de mudança/transformação.
Os anos 90 se iniciam sob um enorme peso de tempos de crise. O Brasil, o mundo e os movimentos estão em crise! Era o fortalecimento do cenário neoliberal. A queda do muro de Berlin simbolizou uma ruptura, uma inquietação sobre a continuidade nos princípios socialistas.
A perda do Lula para FHC provocou uma crise de consciência nos movimentos. Esse começo foi bastante duro. Processo de exclusão. Em contraposição o modismo/a vulgarização da palavra cidadania. Estava na boca de todo mundo. Um pipocar de ONGs, inclusive com atuações para juventudes. Mas ao contrario disto, surge uma série de atores juvenis, começando a se organizar, se articular em cobrança por demandas/direitos que até então nem se entendiam como direito, como cultura, lazer por exemplo, que até então eram entendidos como privilégios. Nesse sentido os jovens surgem para se contrapor a essa idéia. Que utilizavam várias formas de manifestações culturais como enfrentamento, a dizer o Rap. O movimento toma uma força imensa, o movimento hip-hop toma escalas nacionais.
Virada do milênio, o nosso momento, que começa há 10 anos. O movimento de políticas públicas para a juventude. Que coloca a juventude num local nunca antes ocupado. Que o jovem tem direitos específicos. No que falamos quando falamos em direitos juvenis? Nesta última década foi possível perceber que os jovens podem participar. Esse diálogo sobre as políticas possibilitou uma maior organização das juventudes. As formas como o jovem se relacionam hoje com o Estado são diferentes como era antes. Será que essa relação é cooptação? Que interesses estão envolvidos?”.
Após o diálogo, nos encaminhamos para um trabalho por macrorregião, mas antes fomos agraciados com uma bela apresentação de Hip-hop.
Quais as principais questões/problemas e desafios apresentam a realidade da juventude na sua região? Que lutas e bandeiras a juventude se envolve? Sob estes questionamentos, as macros se reuniram e fomentaram o diálogo.
“É proibido não rir dos problemas,
Não lutar pelo que se quer,
Não transformar sonhos em realidade,
Não viver cada dia como se fosse o último suspiro” (Pablo Neruda).
No encontro da região Nordeste, primeiro conhecemos nossos jovens, depois pautamos os questionamentos por estado e compusemos o cenário da nossa região em relação aos problemas, desafios, limites e bandeiras da juventude.
Após as exposições dos estados, abrimos uma roda de conversa, que foi para além dos elementos trazidos pelos estados. Lemos a conjuntura do Nordeste, aliás, do Brasil, sob a nossa ótica, a ótica dos jovens da Recid NE.
Vejamos o acúmulo do Ceará e a síntese do Nordeste:
Como principais questões, problemas, desafios apresentam a realidade da juventude no Ceará temos:
·         Desarticulação e/ou adormecimento das organizações populares de juventudes;
·         Falta de segurança pública voltada para a juventude no estado (o que gera violência e extermínio);
·         Envolvimento das juventudes com álcool/drogas;
·         Pouca e falta de atuação dos conselhos de juventude;
·         Ausência da participação da juventude na execução e elaboração das políticas públicas e nos movimentos populares e sociais;

Nossas bandeiras e lutas são:
·         Democratização da Comunicação;
·         Cultura (expressões artísticas) enquanto mecanismo de participação, politização e transformação;
·         Lutas do campo e cidade (campo: sistemas agroecológicos, êxodo rural, convivência com o semiárido – cidade: luta pela diminuição da passagem do coletivo);
·         Campanha contra o extermínio das juventudes e contra a diminuição da maioridade penal.
Síntese do Nordeste:
Como principais questões, problemas, desafios apresentam a realidade da juventude no Nordeste temos:
Drogas, violência letal contra juventude, tráfico de pessoas, prostituição infantil, Violência psicológica e física contra as mulheres, homofobia, racismo, violência no trânsito, o não funcionamento das políticas públicas voltadas para a juventude, migração campo-cidade, a seca/miséria como problema climática e social, criminalização da juventude, envolvimento com grandes projetos capitalistas, desemprego e monopólio da mídia;

As bandeiras e lutas da juventude no Nordeste são:
Desafios (fruto das contradições sociais capitalistas): Maior acesso a Universidade pública (Pólos da UFS no sertão); Articulação dos movimentos da juventude da juventude com o fortalecimento do trabalho de base; Construir a participação política da Juventude (ida as ruas); Reafirmar a identidade com a classe trabalhadora na cultura, política e ideologia;
Lutas: Pela saúde pública, educação, cultura, lazer, etc; Agroecologia e convivência com o semiárido; Luta contra o agronegócio grandes projetos (irrigação, transporte de águas, barragens e integração das bacias hidrográficas); Luta contra as privatizações; Acesso  a cultura como elemento de formação política-ideológica; Políticas públicas de juventude; Igualdade de raça, gênero, sexualidade; Luta estudantil, transporte, ecumenismo; Demarcação de terras indígenas e quilombolas; Que estratégias vamos implementar de fato?
No período da tarde, abrimos a plenária com o aprofundamento das análises e síntese dos desafios trazidos pelas regiões que, após as considerações do assessor abriu-se a interlocução com a plenária debatendo-se sob o tema juventude e a educação.
O debate fluiu sob o enfoque da fragilidade da educação, em especial do Ensino Médio, que não está preparada para receber, atender a demanda jovem, nem formando, e muito de longe contribuindo para a sua construção política ideológica e cidadã.
Outro direcionamento do debate apontou para a nossa identidade cultural, onde dialogando sobre esta questão, constatamos um Brasil preconceituoso e racista e, por isso, uma parcela da juventude, a negra, vitimada pela violência e extermínio, entre outros fatores que influenciam diretamente nossas vidas.        
Ainda em clima de encontro, nos reunimos á noite numa roda de conversa com os Movimentos sociais e juventude – raça, etnia, gênero e diversidade sexual (Marcha Mundial de Mulheres, Juventude Viva, Diversidade sexual e desafios da luta LGBT, Comunidades Tradicionais), o que nos proporcionou um rico momento de interlocução.
Seguindo a programação, no terceiro dia, discutimos, entre nós e com a assessoria de Ronaldo Souza, o que entendemos e o que construímos de Projeto Popular. De início, uma fala introdutória, e depois, a partir da divisão de grupos mistos, dialogamos e elencamos o que temos feito e como se traduz em lutas concretas o projeto popular que empreendemos enquanto juventude. 
Após o momento nos grupos, voltamos para plenária e sintetizamos em compromissos os acúmulos trazidos pelo coletivo. Em seguida abordamos o tema Agitação e Propaganda, o que já seria uma introdução para o trabalho nas oficinas de Tradução de linguagens, no período da tarde.
Durante a tarde, nos subdividimos nas oficinas temáticas que foram: Midialivrismo e participatório juvenil, Webcidadania, Teatro do Oprimido, Elementos do Hip-hop e, Cultura popular (cordel, repentes, instrumentos).
Durante a noite nos confraternizamos, misturando todas as turmas e apresentando os resultados das oficinas temáticas.
O ultimo dia, já com sabor de saudades, foi marcado pelo final do I Campeonato Nacional Recid Jovem e seqüenciado pela a avaliação da galera, mística de envio e leitura da Carta do nosso I Encontro das Juventudes.

“É esta a nossa hora e o tempo é pra nós.
Que chegue em todo canto a nossa voz
Miremos bem no espelho da memória.
“Faremos jovem e linda a nossa história.”
(Zé Vicente)


GT Pedagógico e Juventude Recid Ceará.

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