Cura de um Rapaz Possesso (Mc 9, 14-29 )
(ver também Mt 17, 14-21; Lc 9, 37-43)
“Ao chegarem perto dos discípulos, viram ao redor deles uma grande multidão e escribas que discutiam uns com os outros. A multidão toda, mal viu Jesus, comoveu-se e acorriam para saudá-lo”, (Mc 9, 14-15). Diferentemente de Mateus e Lucas que narram o mesmo fato, mas o iniciam com maior clareza dos sujeitos e do lugar, Marcos os deixa muito indefinidos.
Marcos no texto dos versículos 14 a 29 do capítulo nove de seu evangelho, (Mc 9, 14-29), apresenta um Jesus com quatro características fortes. Um Jesus, perguntador, escutador, acolhedor e dialogante. E tudo isso, nos leva a reconhecê-lo como um pedagogo. O texto começa com duas das principais características do Jesus apresentado no Evangelho de Marcos. a) Jesus acompanhado dos discípulos e b) Jesus cercado pela multidão que dele sempre se aproximava. Logo no versículo 16, antes de ser se quer abordado por alguém, Jesus já toma a iniciativa da conversa e formula a primeira e motivadora pergunta, “Que discutis com eles?”, (v 16). Essa pergunta é fruto da capacidade observativa de um bom pedagogo. Aqui já se apresenta o que podemos chamar de a pedagogia da pergunta. Porém, Jesus não apenas pergunta, mas escuta atentamente toda a narrativa do anônimo do meio da multidão que, apesar de não responder à pergunta feita por Jesus, aceita sua provocativa interrogação. Sai do anonimato, apesar de permanecer sem nome, pois é apresentado apenas como pai, e se torna o principal narrador da história. E logo em seguida lhe traz suas queixas. “Mestre, eu te trouxe o meu filho; ele tem um espírito mudo”, (v17). E em seguida descreve com detalhes os tormentos do filho. “O espírito apodera-se dele em qualquer lugar, atira-o no chão, e o rapaz espuma, range os dentes e fica enrijecido”, (v 18a). Em seguida, diante da escuta atenta e paciente de Jesus, o homem faz uma queixa importante. “Pedi a teus discípulos que o expulsem e eles não tiveram força para fazê-lo”, (v18b). Opa! Fica evidente aqui o mestre da escuta. E se apresenta a pedagogia da escuta de Jesus.
O Jesus perguntador e escutador revela-se também indignado. Capaz de indignar-se. Repreende duramente seus discípulos por sua incapacidade e fraqueza. “Geração incrédula, até quanto estarei junto de vós? Até quando terei de suportar-vos?”, (v 19b). É significativo perceber que Jesus não se revolta com seus discípulos apenas, mas se dirige a toda a geração. Sua reação parece revelar uma pedagogia da indignação. Dar até para imaginar a sua expressão ao pronunciar estas palavras. Até quando vão depender de mim? E em seguida ordena. “Trazei-mo”, (v 19b). O próximo passo parece revelar a autoridade de Jesus. “Mal viu Jesus, o espírito pôs-se a agitar o rapaz com convulsões; este, caindo no chão, rolava, espumando”, (v 20). Novamente Jesus recorre à pergunta para continuar sua ação. Marcos nos mostra um Jesus interessado, compadecido e querendo saber os mínimos detalhes. Cheio de compaixão. Assim nos diz Marcos. “Jesus pergunta ao pai: Faz quanto tempo que isto lhe acontece? Ele disse: desde a infância”, (v21). E, como quem sabe que será ouvido, o pai descreve detalhadamente o histórico do filho. “Muitas vezes o espírito o tem jogado no fogo ou na água para fazê-lo perecer”, (v 22a). E faz uma declaração em forma de pedido mais que contundente para Jesus. “Mas, se podes alguma coisa, vem em nosso socorro, compadecido de nós”, (v 22b). O Jesus apresentado por Marcos se mostra um pedagogo por excelência. Aproveita a situação e as informações adquiridas no diálogo estabelecido, para somar às suas perguntas, as suas escutas, a sua compaixão, o seu poder dialogal. E responde com autoridade. Aproveita a ocasião criada para mostrar o poder de Deus, a força da fé e os conflitos que cercam a opção pelos que sofrem. “Se podes!... Tudo é possível para quem crer”, (v 23). Diálogo que fica concretizado na resposta humilde e quase contraditória do pai do menino. “Eu creio! Vem em auxílio da minha falta de fé!”, (v 24). Uma pergunta nos vem imediatamente. Qual a diferença para Marcos entre crer e ter fé?
Só agora, depois das perguntas, da escuta, do diálogo estabelecido, da relação construída e de ter entrado na história e na vida do pai que lhe pedia ajuda, Jesus, como que dizendo, nós fizemos isto, dar o desfecho desejado ao caso. Assim nos diz Marcos. “Jesus, vendo a multidão agrupar-se em tumulto, ameaçou o espírito impuro: Espírito surdo e mudo, eu ordeno, sai deste rapaz e não entres mais nele!”, (v 25). As palavras parecem carregadas de indignação e compaixão. É relevante constatar que a ordem é sair e nunca mais voltar. Nunca mais entrar. A riqueza de detalhes de Marcos no texto é impressionante. Vejamos esta descrição. “O espírito saiu com gritos e violentas convulsões. O rapaz ficou feito morto, tanto que todos diziam: Ele morreu”, (v 26). Aqui, se dar algo próprio do Jesus-Deus-Homem. Na próxima ação, se revela mais uma pedagogia de Jesus. A pedagogia da acolhida soma-se à pedagogia do cuidado e da compaixão e são levadas ao máximo. Vejamos esse Jesus humano e companheiro que somente Marcos nos apresenta. “Mas Jesus, tomando-lhe a mão, o fez levantar-se e ele se pôs de pé”, (v 27). Pegar na mão, tocar, ajudar alguém a se levantar quando está caído, eis o sentido de ser cristão. Mais que dar algo ou alguma coisa é dar-se ao outro. O texto aqui estudado termina com outra característica também comum em Jesus, na relação e na pedagogia que Ele usava para com seus discípulos. Os colóquios com os discípulos. Assim apresenta-nos Marcos este momento. “Quando Jesus voltou para casa, seus discípulos perguntaram-lhe em particular: E nós, por que não conseguimos expulsar este espírito? Ele lhes disse: Esta espécie de espírito, nada pode fazer sair, a não ser a oração”, (v 28-29). De novo, uma pergunta não quer calar. Os discípulos não rezavam? Não rezaram neste caso? Por isso é que não conseguiram expulsar aquele espírito? Ou ainda, o que é oração, para Jesus? Que relação tem essa frase de Jesus com aquela onde Ele diz: Geração incrédula? Eles não rezavam, ou não tinham fé quando rezavam? Os discípulos são para Marcos, os beneficiários de um ensinamento particular, são testemunhas privilegiadas dos milagres maravilhosos que Jesus operou. Mas, como parece querer nos mostrar Marcos, são fracos e fraquejam, na fé e na ação. Na libertação dos que sofrem. Chama-nos a atenção que, no versículo 22a, Marcos usa os elementos fogo e água como sinais de morte.
Perguntas para atualizar o texto:
1 – A exemplo de Jesus, a igreja escuta o clamor dos que sofrem e são atormentados e perseguidos? Ou, ao contrário, a exemplo dos Discípulos, como igreja, nos mostramos incapazes?
2 – Como igreja seguidora de Jesus, continuadora de sua missão, nós costumamos acolher e pegar na mão dos caídos e ajudá-los a se levantarem?
3 – A igreja sabe ouvir e dialogar diante dos conflitos e das necessidades dos fiéis que a ela recorrem? Se sim, como se dar este diálogo? Se não, por quê?
Curitiba, 08 de Setembro de 2011.
João Ferreira Santiago.
Teólogo, Poeta e Militante.
Mestrando em Teologia pela PUCPR.
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