Somos filhos e filhas de uma geração que literalmente deu a vida pela liberdade. Seremos nós a geração que dará a liberdade pela vida? E se formos, que vida e que liberdade? A geração que deu a vida pela liberdade buscava organizar-se em grupo, coletivamente, reunia-se em torno de uma ideia e de um sentimento. De um líder. De um desejo comum, de um sentido maior. O que nos distancia e nos faz seres isolados, egoístas ao extremo hoje? O que nos fragmenta e nos faz seres tão desorientados? Falamos de diálogo e agimos como se isto nos fizesse seres dialógicos e dialogantes. Enchemos as estantes, os corpos e a vida de deuses e nos dizemos religiosos. Acreditamos em polvos, magias, slogans e promessas vãs e dizemos que temos fé. Vendemos o voto em troca das mais variadas moedas e quinquilharias convenientes e nos dizemos democráticos. Consumimos indiscriminadamente, enchemos o planeta de lixo e nos autodefinimos como cidadãos. Convivemos lado a lado, quase que em harmonia com a miséria, com a pedofilia, com a corrupção e com a injustiça e nos dizemos, muitas vezes, Cristãos.
A última eleição para o governo do Paraná, por exemplo, deu-se sob o reinado da censura. Proibiu-se a divulgação das pesquisas e a conveniência entre os poderes executivo e judiciário mostrava sua face. Aparentemente, a julgar pela reação da população à época, nada de anormal nisto. A mídia e a apatia da sociedade aceitaram quase passivamente. Com que direito poderemos nos surpreender com a pesquisa recente, publicada na Gazeta do Povo no dia 24 de Julho de 2011, onde 70% da população se sente menos segura que há cinco anos? Onde 19% têm medo de sair de casa? 39% têm medo de ser assaltado? Nesta mesma eleição, a população deu uma enxurrada de votos para um candidato a deputado, cuja principal promessa de campanha para acabar com a violência, era reduzir a maioridade penal. Teve apoio maciço, inclusive de conselheiros (as) tutelares. Com que direito nos surpreenderemos com os dados da pesquisa que diz que para 56% da população o maior problema enfrentado hoje pelos Paranaenses é a (in) segurança pública?
Tenho participado de muitas conversas, de debates e de diálogos nos meios acadêmicos e populares. Tenho ouvido frequentemente de pessoas com padrão de vida e nível intelectual acima da média da população, coisas de arrepiar. Dizem que a violência é na Região Metropolitana. É lá que ocorre a maioria das mortes, homicídios e assassinatos. Segundo a pesquisa o percentual de pessoas que consideram a (in) segurança pública, o maior problema do Estado, por regiões, é: Curitiba, 62%; Região Metropolitana, 58%; interior, 54%. Ninguém, independente da região, tem o que comemorar. A capital, no entanto, vive um estado de calamidade pública e moral.
Vivemos, aliás, no Estado do Paraná, um estado de calamidade pública e moral. O poder executivo se esconde por detrás das nuvens mal cheirosas dos poderes judiciário e legislativo. A Assembléia Legislativa não consegue respirar afogada em dejetos, disputando nas manchetes dos jornais agora, páreo a páreo, com a câmara de vereadores da capital. Quem contribui mais para o lamaçal moral das instituições? Parece ser essa a olimpíada do momento. A copa da imoralidade. A população nunca foi tão órfã de exemplo de decência e presa tão fácil para enganadores da fé que vendem de tudo! De amuletos a espaços em programas religiosos nos horários de rádio e televisão, a preço de ouro. Chegando a vender também curas e milagres. Assim, o nepotismo, o favorecimento, a corrupção, segunda geração na família da compra de votos, correm soltos.
Não vejo muita diferença entre o nepotismo, direta ou veladamente, nos cargos públicos, exercido por políticos parlamentares, e gestores públicos em geral e o que, não raramente, ocorre com a sociedade civil. Em convênios e projetos, igualmente financiados com recursos públicos. Empregar o marido, a esposa, o parente, parece não ser muito diferente. Talvez a diferença seja o volume. A sociedade gere uma pequena parcela dos recursos. Mas copia vícios que reproduzem práticas. É freqüente ver indicado ou “eleito” pela sociedade civil, representantes para conselhos, comissões e colegiados afins, que não abrem a boca nem para pedir comida. Só para que tudo fique como está para depois vermos como é que fica. Como diz o ditado popular. E, lógico, para que, alguém que eu não gosto ou que pensa diferente de mim, não vá. Critica-se o Estado, o governo este ou aquele, mas passa-se a ideia de que a sociedade pode? O pior é o fundamentalismo hipócrita do discurso que legitima tudo isto. Faz-se em nome do coletivo; da Economia Solidária; da Educação Popular; de Paulo Freire; do socialismo; da liberdade; da autonomia; de Deus até. É uma espécie de ateísmo funcional e prático. Moderno?
O mundo vive uma verdadeira crise de sentido. Torna exigente e exige coragem, inteligência e ousadia dos seres humanos chamados a cuidar deste mundo. Vivemos uma crise de lideranças, de posturas, de profecia e de testemunho. É preocupante ver pessoas que sequer se acham neste mundo bonito e cheio de violências e encantos, dizendo para as outras pessoas como devem ou não viver. Como devem agir. Não conseguem conviver bem nem com a própria família, mas dão aula, mesmo que com outro nome, de bem viver. Querem mudar o mundo, mas se excluem da mudança. É o caso de trazer presente o filósofo Confúcio que, quatro séculos antes de Cristo já dizia, “A natureza dos homens é a mesma, são os seus hábitos que os mantêm separados”. As principais referências intelectuais e religiosas, ainda vivas, com excepcionais exceções, negaram o que disseram há trinta anos atrás. Com palavras ou com gestos. O que esperar ou cobrar de uma geração que não tem referenciais? Que desconhece, sobretudo, a história recente de seu país? Que muitas vezes não sabe nem o nome dos avós?
Vivemos o momento da mudez. Não do silêncio, porque é o barulho a marca deste tempo. A indiferença faz parte do componente da frieza emocional deste tempo. O tempo da informação, como se dizem aos quatro ventos. Uma pessoa é moralmente destruída no meio da multidão, da “comunidade”, e nenhuma voz se levanta para reclamar, nenhum braço é estendido para apóiá-la ou acolhê-la. Isto eu sei o que é. Vi e vivi de perto. Já não nos importa mais tanto quantos morram, desde que eu esteja vivo.
Tenho me perguntado e perguntado às pessoas que tenho como referência. O que virá depois deste momento de demência coletiva? Quero acreditar que virá um novo tempo. Mas este tempo que virá precisará de nós que vivemos agora. Sobretudo, este futuro que construímos hoje, precisará de uma educação e de uma religião libertadoras. E isto só será possível com educadores e religiosos autênticos. Que falem menos e tenham mais postura. Que saibam escutar alguém mais além de seu próprio e inflamado ego. Capazes de ir além da resignação. Que sejam capazes de indignar-se com a hipocrisia de falastrões que são incapazes de amar. Amar, eis o caminho e o jeito de caminhar. Quero ver alguém amar sozinho! Quero acreditar que depois do e-mail, virá o e-todo, onde nos veremos e nos trataremos como um todo, sem fragmentações e fatiamentos.
Curitiba, 24 de Julho de 2011.
[1] João Santiago. É Teólogo, Poeta e Militante. Educador Popular das CEBs no Paraná e Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR.
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